A crise fez a outrora pacífica nação
se tornar uma das mais violentas da América Latina em 2023
A onda de violência que fez o Equador ser palco de massacres em
prisões, assassinatos de políticos e explosões de carros-bomba nos últimos
tempos, em uma crise que voltou a se intensificar esta semana, pode ser
explicada, em parte, pelas mudanças na economia global de cocaína. Isso porque
essas transformações fortaleceram rotas de tráfico que favoreceram organizações
criminosas do país sul-americano. |
A crise fez a outrora pacífica nação se tornar uma das mais violentas da América Latina em 2023. Dados da... |
A crise fez a outrora pacífica nação se tornar uma das mais
violentas da América Latina em 2023. Dados da Polícia Nacional reproduzidos
pela imprensa local mostram que, no ano passado, o país registrou mais de 40
mortes violentas a cada 100 mil habitantes -em 2022, a Venezuela havia ficado
com a liderança na categoria, registrando uma taxa de 40,4 mortes para a mesma
quantidade de pessoas, enquanto a do Brasil tinha sido de 23,4 mortes por 100
mil habitantes. |
Segundo relatório de 2023 da ONU, a cocaína foi a quarta droga mais usada fora de... |
Segundo relatório de 2023 da ONU, a cocaína foi
a quarta droga mais usada fora de situações médicas em 2021, atrás apenas da
maconha, dos opioides e das anfetaminas. O mercado da substância engloba cerca
de 22 milhões de usuários pelo mundo e é um dos mais lucrativos do comércio
ilegal. |
Especialista em segurança e pesquisador da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, Fernando Carrión conta que as mudanças de... |
Especialista em segurança e pesquisador da Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais, Fernando Carrión conta que as mudanças de
conjuntura dessa enorme economia que fizeram o Equador emergir como peça
essencial do tráfico remontam à década de 1990. |
Um deles, diz o pesquisador, foi o Plano Colômbia, lançado em 1999, seis anos após a morte de... |
Segundo ele, até o final dos anos 1980 praticamente todo o
mercado mundial da droga estava nas mãos de dois cartéis, ambos na Colômbia -o
de Medellín, controlado por Pablo Escobar, e o de Cali, liderado por Rodríguez
Orejuela. Juntos, esses grupos manejavam quase todo o comércio da droga,
cultivando a coca em território colombiano e escoando a produção da Bolívia e
do Peru, transportando a substância para os Estados Unidos e até mesmo vendendo
o produto final dentro do país norte-americano. |
A solução encontrada pelos grupos foi enviar a droga aos... |
“Esses cartéis tinham o controle de todo o processo”, afirma
Carrión, acrescentando que isso mudou principalmente a partir de dois eventos
da virada do século. |
Relatório de 2021 do Escritório para Drogas e Crime da ONU afirma que a grama de cocaína chegou a custar cerca de... |
Um deles, diz o pesquisador, foi o Plano Colômbia, lançado em
1999, seis anos após a morte de Escobar. O projeto, que contou com ajuda
militar, financeira e diplomática dos EUA, desmantelou as grandes organizações
criminosas do país, mas abriu mercado para outras, menores, na região. Entre
eles estavam alguns grupos que se formavam no Equador -localizado, afinal,
entre Colômbia e Peru, dois dos dois maiores produtores de cocaína do mundo. |
A situação se tornou mais complexa após a pandemia, quando o aumento e o aperfeiçoamento da... |
O segundo evento, de acordo com Carrión, foi o atentado às
Torres Gêmeas, em Nova York. O ataque articulado por Osama bin Laden contra os
EUA representou um ponto de virada para os procedimentos de controle em viagens
em todo o mundo, o que prejudicou, ao menos temporariamente, o transporte da
droga por navios e aeronaves, via mais usada pelos traficantes até então. |
O acordo comercial entre União Europeia e Colômbia, Peru e Equador em vigência desde 2017 pode ter colaborado para o aumento desse... |
A solução encontrada pelos grupos foi enviar a droga aos EUA por
terra -função imediatamente assumida pelos poderosos cartéis do México que, por
não produzirem cocaína, aliaram-se às pequenas facções que se fortaleciam na
região andina, esta sim plantadora de coca. |
Enquanto isso, o aumento do fluxo de dinheiro deu mais poder bélico às... |
Segundo a mídia local, a principal organização criminosa do
país, Los Choneros, atualmente atua junto ao Cartel de Sinaloa, do México,
enquanto sua rival, Los Lobos, associou-se ao também mexicano Jalisco Nueva
Generación. |
Citando dados de apreensões das autoridades equatorianas, o relatório da agência afirma que... |
A situação se tornou mais complexa após a pandemia, quando o
aumento e o aperfeiçoamento da produção de cocaína, acompanhado da diminuição
de seu consumo, derrubou o preço da droga, levando os traficantes a buscar por
outros mercados. Nesse cenário, o Equador ganhou centralidade como local de
exportação da droga para outros países -incluindo aqueles na Europa. |
O presidente do Equador, Daniel Noboa, que ganhou nas eleições de outubro após uma campanha em que um candidato foi assassinado, lidou com o cenário declarando um... |
Relatório de 2021 do Escritório para Drogas e Crime da ONU
afirma que a grama de cocaína chegou a custar cerca de US$ 166 (R$ 809 no
câmbio atual) na Finlândia. Em lugares como França, Itália, Alemanha e
Portugal, o preço pela mesma quantidade da substância variava entre US$ 40 (R$
195) e US$ 99 (R$ 482); nos EUA, ela custava, em média, US$ 120 (R$ 585). |
Para Carrión, a decisão configura uma situação inédita no Equador. |
Citando dados de apreensões das autoridades equatorianas, o
relatório da agência afirma que a proporção de cocaína destinada à Europa
saindo da nação sul-americana aumentou de 9% em 2019 para 33% em 2021. Levando
em conta apenas os casos em que o destino era conhecido, a porcentagem das
apreensões que iam para a Europa aumenta para 50%. |
Naquele dia, o país vivia um cenário de caos provocado pelas gangues em retaliação ao estado de... |
O acordo comercial entre União Europeia e
Colômbia, Peru e Equador em vigência desde 2017 pode ter colaborado para o
aumento desse tráfico, diz o sociólogo Daniel Pontón, pesquisador da Escola de
Segurança e Defesa do Iaen (Instituto de Estudos Avançados Nacionais). |
Em lugares como França, Itália, Alemanha e Portugal, o preço pela mesma quantidade da... |
“Com mais circulação de mercadorias, há uma possibilidade maior
de transportar mais drogas. É simples assim”, afirma ele. “Em nenhum lugar do
mundo o controle ocorre contêiner por contêiner. É aleatório.” |
A crise fez a outrora pacífica nação se tornar uma das mais violentas da América Latina em... |
Enquanto isso, o aumento do fluxo de dinheiro deu mais poder bélico às facções
ligadas ao narcotráfico, afetando a dinâmica da violência. “O dinheiro dá
poder, permite que esses grupos comprem mais armas, por exemplo. E, obviamente,
os pontos de discórdia se tornam mais intensos”, diz Pontón. “A violência é uma
mercadoria nesses contextos. Há dez anos ninguém sabia quem eram Los Choneros.
Agora todo mundo sabe.” |
Nesse cenário, o Equador ganhou centralidade como local de exportação da droga para outros países -incluindo aqueles na... |
O presidente do Equador, Daniel Noboa, que ganhou nas eleições
de outubro após uma campanha em que um candidato foi assassinado, lidou com o
cenário declarando um conflito armado interno na última terça-feira (9).
Naquele dia, o país vivia um cenário de caos provocado pelas gangues em
retaliação ao estado de exceção que o líder havia decretado na véspera.
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“A disputa não está ocorrendo mais entre grupos criminosos, mas entre o Estado e as gangues. É a primeira vez que há um...'' |
Para Carrión, a decisão configura uma situação inédita no
Equador. “A disputa não está ocorrendo mais entre grupos criminosos, mas entre
o Estado e as gangues. É a primeira vez que há um sentimento de unidade -não porque
haja uma visão estratégica, mas porque o governo decidiu implementar essa
retórica de guerra”, diz o pesquisador. “Isso fez com que todos se unissem para
enfrentar o ‘inimigo comum’.”
DANIELA
ARCANJO
EDIÇÃO
DE ANB ONLINE
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