sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

PÓ: COMO COCAÍNA TORNOU EQUADOR UM DOS PAÍSES MAIS VIOLENTOS DA AMÉRICA LATINA

A crise fez a outrora pacífica nação se tornar uma das mais violentas da América Latina em 2023

A onda de violência que fez o Equador ser palco de massacres em prisões, assassinatos de políticos e explosões de carros-bomba nos últimos tempos, em uma crise que voltou a se intensificar esta semana, pode ser explicada, em parte, pelas mudanças na economia global de cocaína. Isso porque essas transformações fortaleceram rotas de tráfico que favoreceram organizações criminosas do país sul-americano.

A crise fez a outrora pacífica nação se tornar uma das mais violentas da América Latina em 2023. Dados da... 

A crise fez a outrora pacífica nação se tornar uma das mais violentas da América Latina em 2023. Dados da Polícia Nacional reproduzidos pela imprensa local mostram que, no ano passado, o país registrou mais de 40 mortes violentas a cada 100 mil habitantes -em 2022, a Venezuela havia ficado com a liderança na categoria, registrando uma taxa de 40,4 mortes para a mesma quantidade de pessoas, enquanto a do Brasil tinha sido de 23,4 mortes por 100 mil habitantes.
Segundo relatório de 2023 da ONU, a cocaína foi a quarta droga mais usada fora de... 
Segundo relatório de 2023 da ONU, a cocaína foi a quarta droga mais usada fora de situações médicas em 2021, atrás apenas da maconha, dos opioides e das anfetaminas. O mercado da substância engloba cerca de 22 milhões de usuários pelo mundo e é um dos mais lucrativos do comércio ilegal.
Especialista em segurança e pesquisador da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, Fernando Carrión conta que as mudanças de...
Especialista em segurança e pesquisador da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, Fernando Carrión conta que as mudanças de conjuntura dessa enorme economia que fizeram o Equador emergir como peça essencial do tráfico remontam à década de 1990.
Um deles, diz o pesquisador, foi o Plano Colômbia, lançado em 1999, seis anos após a morte de...
Segundo ele, até o final dos anos 1980 praticamente todo o mercado mundial da droga estava nas mãos de dois cartéis, ambos na Colômbia -o de Medellín, controlado por Pablo Escobar, e o de Cali, liderado por Rodríguez Orejuela. Juntos, esses grupos manejavam quase todo o comércio da droga, cultivando a coca em território colombiano e escoando a produção da Bolívia e do Peru, transportando a substância para os Estados Unidos e até mesmo vendendo o produto final dentro do país norte-americano.
A solução encontrada pelos grupos foi enviar a droga aos... 
“Esses cartéis tinham o controle de todo o processo”, afirma Carrión, acrescentando que isso mudou principalmente a partir de dois eventos da virada do século.
Relatório de 2021 do Escritório para Drogas e Crime da ONU afirma que a grama de cocaína chegou a custar cerca de...
Um deles, diz o pesquisador, foi o Plano Colômbia, lançado em 1999, seis anos após a morte de Escobar. O projeto, que contou com ajuda militar, financeira e diplomática dos EUA, desmantelou as grandes organizações criminosas do país, mas abriu mercado para outras, menores, na região. Entre eles estavam alguns grupos que se formavam no Equador -localizado, afinal, entre Colômbia e Peru, dois dos dois maiores produtores de cocaína do mundo.
A situação se tornou mais complexa após a pandemia, quando o aumento e o aperfeiçoamento da... 
O segundo evento, de acordo com Carrión, foi o atentado às Torres Gêmeas, em Nova York. O ataque articulado por Osama bin Laden contra os EUA representou um ponto de virada para os procedimentos de controle em viagens em todo o mundo, o que prejudicou, ao menos temporariamente, o transporte da droga por navios e aeronaves, via mais usada pelos traficantes até então.
O acordo comercial entre União Europeia e Colômbia, Peru e Equador em vigência desde 2017 pode ter colaborado para o aumento desse...
A solução encontrada pelos grupos foi enviar a droga aos EUA por terra -função imediatamente assumida pelos poderosos cartéis do México que, por não produzirem cocaína, aliaram-se às pequenas facções que se fortaleciam na região andina, esta sim plantadora de coca.
Enquanto isso, o aumento do fluxo de dinheiro deu mais poder bélico às...
Segundo a mídia local, a principal organização criminosa do país, Los Choneros, atualmente atua junto ao Cartel de Sinaloa, do México, enquanto sua rival, Los Lobos, associou-se ao também mexicano Jalisco Nueva Generación.
Citando dados de apreensões das autoridades equatorianas, o relatório da agência afirma que...
A situação se tornou mais complexa após a pandemia, quando o aumento e o aperfeiçoamento da produção de cocaína, acompanhado da diminuição de seu consumo, derrubou o preço da droga, levando os traficantes a buscar por outros mercados. Nesse cenário, o Equador ganhou centralidade como local de exportação da droga para outros países -incluindo aqueles na Europa.
O presidente do Equador, Daniel Noboa, que ganhou nas eleições de outubro após uma campanha em que um candidato foi assassinado, lidou com o cenário declarando um...
Relatório de 2021 do Escritório para Drogas e Crime da ONU afirma que a grama de cocaína chegou a custar cerca de US$ 166 (R$ 809 no câmbio atual) na Finlândia. Em lugares como França, Itália, Alemanha e Portugal, o preço pela mesma quantidade da substância variava entre US$ 40 (R$ 195) e US$ 99 (R$ 482); nos EUA, ela custava, em média, US$ 120 (R$ 585).
Para Carrión, a decisão configura uma situação inédita no Equador.
Citando dados de apreensões das autoridades equatorianas, o relatório da agência afirma que a proporção de cocaína destinada à Europa saindo da nação sul-americana aumentou de 9% em 2019 para 33% em 2021. Levando em conta apenas os casos em que o destino era conhecido, a porcentagem das apreensões que iam para a Europa aumenta para 50%.
Naquele dia, o país vivia um cenário de caos provocado pelas gangues em retaliação ao estado de...
O acordo comercial entre União Europeia e Colômbia, Peru e Equador em vigência desde 2017 pode ter colaborado para o aumento desse tráfico, diz o sociólogo Daniel Pontón, pesquisador da Escola de Segurança e Defesa do Iaen (Instituto de Estudos Avançados Nacionais).
Em lugares como França, Itália, Alemanha e Portugal, o preço pela mesma quantidade da...
“Com mais circulação de mercadorias, há uma possibilidade maior de transportar mais drogas. É simples assim”, afirma ele. “Em nenhum lugar do mundo o controle ocorre contêiner por contêiner. É aleatório.”
A crise fez a outrora pacífica nação se tornar uma das mais violentas da América Latina em...
Enquanto isso, o aumento do fluxo de dinheiro deu mais poder bélico às facções ligadas ao narcotráfico, afetando a dinâmica da violência. “O dinheiro dá poder, permite que esses grupos comprem mais armas, por exemplo. E, obviamente, os pontos de discórdia se tornam mais intensos”, diz Pontón. “A violência é uma mercadoria nesses contextos. Há dez anos ninguém sabia quem eram Los Choneros. Agora todo mundo sabe.”
Nesse cenário, o Equador ganhou centralidade como local de exportação da droga para outros países -incluindo aqueles na...
O presidente do Equador, Daniel Noboa, que ganhou nas eleições de outubro após uma campanha em que um candidato foi assassinado, lidou com o cenário declarando um conflito armado interno na última terça-feira (9). Naquele dia, o país vivia um cenário de caos provocado pelas gangues em retaliação ao estado de exceção que o líder havia decretado na véspera.

“A disputa não está ocorrendo mais entre grupos criminosos, mas entre o Estado e as gangues. É a primeira vez que há um...''

Para Carrión, a decisão configura uma situação inédita no Equador. “A disputa não está ocorrendo mais entre grupos criminosos, mas entre o Estado e as gangues. É a primeira vez que há um sentimento de unidade -não porque haja uma visão estratégica, mas porque o governo decidiu implementar essa retórica de guerra”, diz o pesquisador. “Isso fez com que todos se unissem para enfrentar o ‘inimigo comum’.”

 

DANIELA ARCANJO

EDIÇÃO DE ANB ONLINE

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