DICA DO BLOG DO FERNANDO ATALLAIA: RUY PALHANO FALA SOBRE USO, ABUSO E DEPENDÊNCIA DE...
Uso, abuso e dependência de Álcool
O consumo de álcool é uma prática comum em muitas culturas, associado a celebrações e encontros sociais. Contudo, o consumo excessivo e abusivo de álcool tem se mostrado uma questão de saúde pública de proporções preocupantes, afetando milhões de pessoas ao redor do mundo. Estima-se que aproximadamente 209 milhões de pessoas no mundo sofram de dependência alcoólica, representando cerca de 3,7% da população global. No Brasil, 18,4% da população é considerada bebedora abusiva, chegando a 25,6% entre os homens.
Considere-se uso do álcool a utilização não compulsiva ou patológica de doses baixas desse substancia, de tal forma, que não aja um dano físico, clinico ou psicológico, advindo do consumo. Outro aspecto relevante, é que sempre houve um forte apelo histórico e social do consumo dessa substância ao longo dos tempos.
Os impactos do consumo abusivo de álcool são muitos e preocupantes. Dados recentes do Vigitel 2023 mostram um aumento no consumo abusivo de álcool no Brasil, de 18,4% em 2021 para 20,8% em 2023. Esse aumento está relacionado a um crescimento nas internações por doenças crônicas, como cirrose hepática e doenças cardiovasculares. Além disso, o consumo excessivo de álcool está associado a um aumento nos casos de câncer, como os de fígado, boca e esôfago, destacando a gravidade desse problema para a saúde pública. Globalmente, o uso abusivo de álcool está relacionado a cerca de 2,8 milhões de mortes por ano, das quais 100 mil ocorrem no Brasil (Ministério da Saúde, 2023).
Além dos riscos físicos, o consumo abusivo de álcool está associado a problemas graves de saúde mental. Como médico psiquiatra, posso afirmar que o vício em álcool é uma condição complexa que afeta profundamente o cérebro e o comportamento. A dependência alcoólica envolve alterações neuroquímicas no cérebro, especialmente nos sistemas de recompensa cerebral (SRC), levando o indivíduo a buscar repetidamente o consumo para experimentar os efeitos agradáveis do álcool ou evitar os sintomas de abstinência. Isso cria um ciclo vicioso difícil de romper sem ajuda profissional. O consumo contínuo de álcool pode agravar transtornos mentais como ansiedade e depressão, além de aumentar a vulnerabilidade a comportamentos autodestrutivos, como automutilação e tentativa de suicídio. Estudos mostram que 28% das mortes atribuídas ao álcool são resultado de lesões, incluindo violência interpessoal, o que evidencia também os efeitos sociais negativos desse consumo (Nações Unidas Brasil).
O quadro clínico da dependência do álcool envolve uma série de sintomas físicos, psicológicos e comportamentais que caracterizam a doença. Os principais sinais e sintomas incluem:
1. Tolerância Aumentada: A
necessidade de consumir quantidades cada vez maiores de álcool para atingir os
mesmos efeitos. Isso ocorre devido à adaptação do organismo ao consumo
frequente, reduzindo o efeito do álcool ao longo do tempo.
2. Síndrome de Abstinência: Quando o consumo de álcool é reduzido ou interrompido, o indivíduo pode apresentar sintomas como tremores, sudorese, náuseas, ansiedade, irritabilidade e, em casos graves, convulsões e alucinações. Esses sintomas são um forte indicativo da dependência.
3. Perda de Controle: Dificuldade em controlar a quantidade de álcool consumida, frequentemente levando ao consumo excessivo, mesmo quando há intenção de moderar ou parar de beber. O indivíduo pode tentar, sem sucesso, reduzir ou controlar o uso de álcool repetidamente.
4. Compulsão pelo Consumo: Um desejo intenso e persistente de consumir álcool, muitas vezes com pensamentos frequentes sobre beber e dificuldade de pensar em outra coisa. A compulsão pelo consumo torna-se um dos principais fatores que perpetuam o ciclo de dependência.
5. Impacto na Vida Pessoal e Profissional: A dependência de álcool frequentemente interfere nas responsabilidades pessoais, profissionais e sociais do indivíduo. Pode haver comprometimento do desempenho no trabalho, conflitos familiares e abandono de atividades que antes eram prazerosas.
6. Continuação do Consumo Apesar das Consequências: Mesmo diante de problemas físicos (como doenças hepáticas), psicológicos (depressão, ansiedade) e sociais (conflitos familiares e isolamento), o indivíduo continua consumindo álcool, evidenciando a perda de controle sobre o comportamento.
Para lidar com esse problema, o tratamento da dependência alcoólica envolve diversas abordagens, como acompanhamento psiquiátrico, psicoterapia e grupos de apoio, como os Alcoólicos Anônimos (AA). O acompanhamento psiquiátrico é essencial, pois muitas vezes são necessários medicamentos para controlar os sintomas de abstinência e reduzir a compulsão pelo consumo.
A psicoterapia, especialmente a terapia cognitivo-comportamental (TCC), ajuda o paciente a reconhecer os gatilhos que levam ao consumo e desenvolver estratégias para lidar com essas situações de maneira mais saudável. Em casos graves, pode ser necessária a internação para desintoxicação supervisionada.
A participação da família também é essencial, fornecendo suporte
emocional durante o processo de recuperação. Reconhecer os sinais de dependência
e buscar ajuda é fundamental para que a recuperação ocorra de forma eficaz.
Outra estratégia importante é a implementação de políticas públicas que limitem o consumo de álcool e promovam a conscientização sobre os riscos associados. Medidas como a restrição da publicidade de bebidas alcoólicas, o aumento da taxação e a limitação da venda de álcool podem ser eficazes na redução do consumo. Além disso, campanhas educativas são fundamentais para informar a população sobre os perigos do consumo abusivo e sobre as opções de tratamento disponíveis. A sociedade como um todo tem um papel importante em reduzir o estigma associado ao alcoolismo, criando um ambiente que favoreça a busca por ajuda sem julgamento.
O apoio familiar e comunitário também é um fator crucial no processo de recuperação. A dependência de álcool não afeta apenas o indivíduo, mas também suas relações interpessoais. O suporte de familiares e amigos é essencial para que o paciente se sinta amparado e motivado a seguir o tratamento. Grupos de apoio, como os Alcoólicos Anônimos, fornecem um espaço seguro para que os dependentes compartilhem suas experiências e encontrem força na vivência de outros que enfrentam desafios semelhantes. Esse tipo de suporte emocional é uma peça fundamental para o sucesso do tratamento e para a manutenção da sobriedade a longo prazo.
Em
conclusão, o consumo abusivo de álcool é um problema significativo que afeta a
saúde física, mental e social dos indivíduos. A dependência alcoólica deve ser
entendida como uma doença crônica que requer tratamento contínuo e
multidisciplinar. A conscientização e o apoio àqueles que enfrentam esse
desafio são essenciais para reduzir os impactos desse consumo na sociedade. O
papel da sociedade, políticas públicas e apoio familiar são fundamentais para
ajudar na recuperação e promover uma vida mais saudável e equilibrada. A
recuperação é possível, e buscar ajuda é um passo crucial nessa jornada.
Da Associação Brasileira de Psiquiatria, Ruy Palhano Silva é médico psiquiatra, professor, escritor e
palestrante.
LEIA TAMBÉM:
https://blogdofernandoatallaia.blogspot.com/2024/10/debate-na-grande-sao-luis-ruy-palhano.html
0 comentários:
Postar um comentário